A disseminação de notícias falsas virou produto e projeto político. As Fake News não são atributo apenas para desmoralizar uma pessoa ou causar desordem, mas também para sustentar o bolso de quem as produz. Assim, as notícias falsas são utilizadas para gerar renda e devolver retorno de investimentos em sites que recebem milhões de visitas mensais.
Essa renda obtida com base em mentiras vem de serviços que nós identificamos em alguns sites analisados. Dos serviços, listamos sites de Fake News com até 3 contas do Google AdSense vinculadas. Isso significa que há vertentes de renda diferentes em um único site, garantindo dinheiro para um esquema que vai além do projeto político.
O Google AdSense, serviço citado acima, é um forma do Google distribuir os investimentos em publicidade para editores e Youtubers. Basicamente, o Google ADS cobra empresas para anunciar no buscador do Google e em sites que são cadastrados no AdSense e em vídeos do Youtube.
Cada clique vale alguns centavos e até reais, dependendo do custo da palavra-chave e de outras variáveis que influenciam o valor. Os criadores de conteúdo instalam códigos de anúncios em seus sites e o Google gerencia de forma automática quais anúncios são exibidos.
Daí então, quando um usuário que acessa o site, assiste um vídeo no Youtube ou faz alguma pesquisa no Google, ele acaba vendo anúncios que são pagos por essas empresas. Quando o usuário clica nesses anúncios, uma parte do valor desse clique vai para o criador de conteúdo.
Acumulando cliques que podem custar entre 0,02 ~ 0,90 centavos em dólar e chegar até mesmo em valores mais sólidos como 1, 2 e até 3 dólares, no final do mês, quando o serviço do Google faz a contagem de ganhos, isso pode se transformar em muito dinheiro, a considerar o número de visitas que sites tem e o número de cliques, além de outras variáveis.
E tudo isso é pago em dólar, não importando em qual localidade o criador de conteúdo esteja.
Quais são os principais serviços que monetizam os sites de Fake News
Analisando dois exemplares de sites que distribuem notícias falsas, identificamos vários serviços de monetização. No Jornal da Cidade Online, um dos conhecidos por propagar notícias falsas e que foi destacado pelo Sleeping Giants Brasil, movimento que busca derrubar a monetização de sites como este, nós identificamos 14 serviços cadastrados para gerar dinheiro.
São eles;
- Google AdSense
- Criteo
- OutBrain
- AppNexus
- Tremorhub
- Adverstising
- Fyber
- FreeWheel
- Teads
- SpotxChange
- ContextWeb
- IndexExChange
- Pubmatic
- Vidazoo
O que diz a política dos serviços citados
Google AdSense – Nas políticas para editores do Google AdSense, sites que promovem mentiras e inverdades, sejam elas integralmente ou parcialmente, podem sofrer punições e a exclusão do programa de editores do Google AdSense.
Segundo as regras para editores que geram renda através do programa, não é permitido que:
- faça declarações falsas, contenha descrições enganosas ou omita informações sobre você, seu conteúdo e o objetivo principal do seu destino da Web;
- incentive os usuários a interagir com o conteúdo sob pretextos falsos ou imprecisos;
- faça afirmações comprovadamente falsas e que possa prejudicar de forma significativa a participação ou a confiança no processo eleitoral ou democrático; Exemplos: informações sobre processos de votações públicas, qualificação de candidatos políticos com base na idade ou local de nascimento, resultados eleitorais ou dados do censo que contradizem os registros oficiais do governo
- sugira, de forma falsa, afiliação ou apoio de outro indivíduo, organização, produto ou serviço; Exemplos: falsificação de produtos do Google, uso indevido de logotipos de empresas
- engane os usuários por meio de mídias manipuladas relacionadas a política, questões sociais ou assuntos de interesse público;
- esteja relacionado a política, problemas sociais ou questões de interesse público voltados a usuários em outros países, se você deturpar ou ocultar seu país de origem ou outros detalhes relevantes sobre si mesmo.
Criteo – Nas políticas para publicidade Criteo, notícias falsas também são proibidas e podem gerar punições que levam à expulsão do serviço de parcerias.
Segundo as políticas do programa, é explicitamente proibido aos colaboradores que fazem parte do serviço de reprodução de propaganda na internet, apresentar conteúdos que se assemelham;
- Assédio ou discurso de ódio
- Conteúdo que insulte, difame ou ameace um indivíduo ou grupo de indivíduos e/ou é baseado em raça, sexo, nacionalidade, associação religiosa, idade ou orientação sexual.
- Valores chocantes/ofensivos
- Linguagem, imagens ou conteúdos violentos, desrespeitosos, vulgares ou ofensivos.
- Atividades ilegais ou atividades legalmente questionáveis
- Produtos e serviços ilegais, produtos ou serviços de legalidade questionável ou que facilitem atividades ilegais.
- Conteúdo enganoso
- Quaisquer alegações fraudulentas ou enganosas. As alegações devem ser evidenciadas, claras e precisas.
- Conteúdo político
- Organizações políticas, candidatos, iniciativas políticas ou eventos.
Outbrain – O serviço Outbrain define suas políticas para anunciantes, mas não encontramos uma política concreta e fácil para criadores de conteúdo.
Para anunciantes, é vetado sites de divulgação de notícias falsas. Nas diretrizes, o serviço alerta que sites que compõem atitudes descritas abaixo, estão sujeitos à banimento;
- Sites que buscam enganar intencionalmente o leitor para acreditar em algo que não é verdade
- Conteúdo projetado para enganar o leitor a acreditar que está lendo conteúdo editorial legítimo ou notícias baseadas em fatos
- Anúncio habilmente disfarçado (com pouco ou nenhum valor concedido ao leitor) ou uma peça de propaganda ou uma farsa
Fyber – O serviço Fyber que monetiza aplicações mobile, informa que suas políticas proíbem serviços de editores que propagam discurso de ódio. No entanto, não há menção à propagação de Fake News.
Nas políticas do serviço, é listado várias categorias de aplicativos que não são permitidos para o programa de editores Fyber. Dentre elas, até mesmo o conteúdo profano não é permitido, mas não há nenhuma informação que acuse a propagação de notícias falsas como item proibido para editores.
ContextWeb (PulsePoint) – Assim como o Outbrain, as políticas do PulsePoint não citam editores, mas anunciantes de que não é permitido a divulgação de notícias falsas.
Segundo a política do serviço, é proibido anúncios que “contêm conteúdo enganoso, difamatório, obsceno, desagradável, racial ou etnicamente ofensivo, assediador ou que seja discriminatório com base em raça, sexo, cor, credo, idade, orientação sexual ou deficiência”.
AppNexus, Adverstising (Verizon Media), SpotxChange, Teads, IndexExChange, PubMatic e Vidazoo não oferecem uma política exclusiva voltada aos editores, portanto, não são muito claros quanto à propagação de informações falsas por parte de colaboradores.
No caso do Jornal da Cidade Online, os serviços FreeWheel e Tremorhub são associados ao Outbrain. O Tremorhub não funciona e apresenta mensagem de erro ao ser acessado. Portanto, não conseguimos visualizar a política de seus serviços.
Nem todos os serviços buscados são diretamente serviços de publicidade para editores. Porém, todos eles atendem empresas do segmento e são listados em documento que dispõe sobre os serviços de monetização associados ao Jornal da Cidade Online, acessado pelo TecStudio.
O impacto da rede de Fake News
A rede de notícias falsas gera um impacto muito grande. Para se ter uma ideia, sites como o Jornal da Cidade Online tem mais de 10 milhões de visitas por mês.
Isso garante uma rentabilidade bastante considerável em serviços como o Google AdSense, o bastante para suprir gastos que são feitos para sustentar a estrutura de acessos, pagar funcionários e ainda ter lucro.
Segundo o estudo “Propagação e influência de pós-verdade e fake news na opinião pública” da Universidade de São Paulo (USP), “As notícias falsas tendem a influenciar a opinião pública e criar insegurança, desconfiança, desestabilização para apoiar ou desacreditar ou, às vezes, simplesmente divertir os leitores. Em última análise, eles são um meio de obter seguidores, perfis e usuários de redes sociais para estimular um movimento, um interesse econômico de marca ou de pessoa”.
Esse interesse econômico muitas vezes está mascarado na intenção de propagar mentiras com o intuito de gerar renda, aproveitando a fragilidade do momento e também ferramentas que ajudam a divulgá-las. É o caso de sites que utilizam plataformas legais, mesmo infringindo seus termos.
Ainda que serviços como o Google AdSense tenham parcela de culpa ao autorizar sites como o Jornal da Cidade Online a fazer parte de seus colaboradores, há também uma forte contraposição da marca em relação à propagação de notícias falsas, como exemplo, noticiamos o fato de o jornal ter sido banido do programa após denúncias.
Mas aparentemente, mesmo com o rendimento considerável, não parece haver iniciativa da companhia em analisar os fatos e compreender infrações que sites como o citado cometem contra o serviço. É necessário que hajam denúncias para que ocorra uma averiguação por parte da equipe do Google.
Isso é suposto uma vez há sites de propagação de fake news que existem há mais de 2 anos e só passaram a sofrer medidas impostas pelas políticas do programa Google Adsense, ao ponto em que ocorreram denúncias ou exposição para um grande número de pessoas.
A mentira como produto
Como exposto acima, mostramos como a mentira se tornou um produto utilizando meios legais para se propagar e retornar dinheiro.
Nenhuma mentira vai se estender por tanto tempo se não houver um interesse político, econômico e social envolvido. Quando o lucro da mentira é cortado, é muito provável que todo o sistema envolvido se desmanche em pouco tempo.
Afinal, para manter um site com muitos acessos, é preciso de um bom investimento e de vários funcionários, que devem cuidar das questões de segurança e do jornalismo.
O TecStudio continua analisando e explorando como sites de notícias falsas se estruturam economicamente. Na luta contra as notícias falsas, estamos todos juntos!
Bibliografia: CARDOSO, Ivelise de Almeida. Propagação e influência de pós-verdade e fake news na opinião pública. 2019. Dissertação (Mestrado em Interfaces Sociais da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. doi:10.11606/D.27.2019.tde-11112019-174743. Acesso em: 2020-06-18.